terça-feira, 6 de agosto de 2019

Continuum


Mesmo com a barata perdida da noite passada, 
cozinhando aquele prato que o pai, do centro oeste, ensinara uma vez,
sem coentro, porque confundia com salsa, 
sem pequi, porque não era época, 
com furor, porque houvera um golpe de estado, 
sem paciência, porque precisava afirmar duas três vezes a mesma coisa 
pra legitimar a fala,
com assédio,
com mãos que não eram suas
perseguindo & adentrando sem permissão a casa
que tanto vigiava,
com afinco e protex,
sem sulfatos e parabenos,
com silicone nas pontinhas pra não embaraçar aquela parte mais loura do cabelo que nunca entendeu da onde veio.

mesmo com o vinho aberto na mesa da cozinha,
a toalha que o amor trouxera,
com tomates e cogumelos gigantes,
com o verde das ervilhas a inspirar o canto branco da parede,
sem esperança no neoliberalismo,
sem coragem de atirar a sandália na cucaracha de antenas imensas do dia anterior,
sem fala,
sem coragem pras declarações que pareçam como catálogo decorado de filme,
sem coragem pras declarações que pareçam roteiro ensaiado de um curta,
sem coragem pras declarações que pareçam toalha de banho caindo na frente da janela escancarada 
com 15 pessoas assistindo, do lado de lá do condomínio,
sem cara
sem crenças
mas com fé.

mesmo com o sistema em estado terminal,
o sintoma aparente revelado,
a doença psíquica,
a dor imaginária
que fulgava toda vez que era 3:30 da manhã, no membro amputado,
mesmo com a safra de todas as uvas desqualificando aquele Cabernet de 2009, 
deitado na adega do avô,
sem disfarces
sem celeuma
com a ideia de que aprisionar é poder
de que poder é reter
de que reter é conter
- quando só extravasa, e transborda -

quando o transbordo perde a noção e inunda,
afaga com o dedo mindinho numa delicadeza de âncora,
como o beijo imaginado na véspera da paixão arrebatadora
(sem realidade)
com a pretensão dos vinte e poucos & dos noventa e três bem cuidados
com 8 tipos de remédios diários,
com tênis de corrida pra amortecer o calcâneo inflamado,
sem fim e sem nexo,
onde o sexo come os minutos que sobrariam,

se não fosse a ansiedade
se não fosse a rasa intensidade dos antagonismos
se não desse pra enfrentar medos,

com amanhãs que não são outro dia em terras tupiniquins,
com açúcar, só que mascavo,
pra negar a manipulação genética dos químicos,
sem sobriedade mas com reprise,
com memória
mas sem sutiã
pra deixar livre os mamilos de todas as mulheres
firmes
com a valentia da bandeja de culpas que tiveram de erguer 
por 300 gerações antes de nós,
equilibradas em casas fechadas

e ainda assim,
com pelo ou sem, 
sem buceta ou com,
com África ou não,
se não fosse possível, seria,
porque era possível ainda,
sem verbo nenhum,
jogar longe o feijão queimado
junto à panela que incendiou a casa

(ressignificando então a liberdade pixializada
do outdoor da esquina)

sem encenações,
ensinando os olhos a falar com a íris castanha,
sem gaguejar,
com a assertividade contida daquela ousadia dos tímidos, 
tateando a cicatriz que já é parte da pele, 
e ainda por cima,
sem receios, 
amar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

teus olhos,

cor de avelã

me sabem como vestido voando desprevenido em noite de vento sul



sexta-feira, 8 de abril de 2016

I.

Procura-se uma sanidade que:

goste de pessoas,
porte humano
bípede
multicolor
brilho nos olhos
com pelos
sem pelos
de massa cefálica tamanho mediano que contenha sinapses nervosas sem ênfase de tristezas/alegrias excessivas
que projete o corpo conforme a fala
isento de hipérboles emocionais.

II.

que se durma
que volte dessa pra outra melhor algum dia
que tome fadiga de outros humanos
que reaprenda a usar compaixão na semana seguinte
que não faça uso constante de lucidez
que desaprenda a mania de fazer gerúndios apaixonando, tentando, rompendo, causando o eterno retorno das hipérboles acima citadas
que use tédio segundas pela manhã
que guarde os domingos
que se inquiete
que se horizonte
que (se) alivie
que pulse. pulse. pulse.

E que ocupe um lugar de um ponto.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

abismos




de repente não se escreve mais: se sente fundo.


so deep , baby, digo, grito, gritando digo no teu ouvido.

tuas mãos molhadas, se de chuva ou do guarda-chuva sem secar, pingam ainda no caminho da sala. inundas.

como pintura me pincelas em aquarela, tracejando impressionismozinho barato.

- tão amador.

me sabes, sei da tua clarividência. me degustas víscera a víscera. chupando os ossos. desprezando a carcaça que não serviria de prato principal.

assim, quando queres.



quase poema de amor.




do tempo

a velhice botava rugas nas mãos e voz rouca nas cordas vocais
botava medo
botava ânsia
botava sulcos nos vincos da boca
botava pressa
botava cabelos brancos nos travesseiros com cheiro de macela
botava histórias em forma de fala, de choro,
de vontade de abraço desajeitado entre roupas de lã
a velhice botava as mãos enrugadas no pescoço das horas
(quase ninguém desconfiava dos amores secretos fora dos porta retratos)
botava melancolia nas falas, cheiro de talco nas meias, bengala nas mãos, enrugadas
botava expectativa nas visitas de domingo.
A velhice botava morte nas coisas, acelerava relógios,
botava coragem no infinito esquisito, muita fé nas religiões todas.
botava solidão nas despedidas e nostalgias nas chegadas.
A passagem da velhice botava novidade na cara do tempo.

domingo, 12 de julho de 2015

É claro que teria algum desses ascendentes em gêmeos ou escorpião ou libra, sabia bem que alguma coisa aguava. Dizia ser decidida, dizia ser indecisa, dizia ser algo. Claro que toda pausa ou conjunção encontrada seria intenção concreta de plural:  teríamos regras, teríamos futuro, teríamos reta. Éramos humanos demais. A pele roçava noutra pele e saía faísca. A pele tinha isso de contato também. Com tato era sempre melhor - palavras a mais ou a menos não diziam tanto quanto olhos ou mãos desejando a boca no rosto de alguém. A boca, além de dizer, podia tocar outras. Toque também era linguagem. A fome de ver outros olhos ia além do desejo astral. Vinha de dentro. Concluiu que maçã do amor e bilhetes com caneta hidrocor duravam pra sempre.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Antes de bem-te-ver, desejava janeiros como rouxinóis que pousassem tranquilos no fiapo de horizonte pra espiar o sol.

Antes de te saber lugar-afago, tudo era como sempre foi, porque passados-perfeitos nos constroem, como também vais descobrir algum dia com o tempo-água.

Só que de repente "alguma coisa aconteceu"..., e hoje janeiro é passagem. Eu te vejo crescer humano-barriga, um ser a mais, mas não um estar gente qualquer. 

Porque antes de janeiro nascer da cabeceira da cama eu te vi bater a porta pra chegar no lar que de alguma energia dessas viestes. E quem sabe a dedo, escolhestes.

E hoje, daqui de uma data que voa do calendário como folha, eu te bendigo coisas lindas pra mês que vem, ou qualquer coisa como fevereiro e março do mesmo calendário que aprendi a usar. 

E que venhas pleno de vazios, pra conheceres cada misteriozinho da vida ardida e bela, bela, bela & bonita além.

Benjamim:
O teu bem-te-vi já vem.