Mesmo com a barata perdida da noite passada,
cozinhando aquele prato que o pai, do centro oeste, ensinara uma vez,
sem coentro, porque confundia com salsa,
sem pequi, porque não era época,
com furor, porque houvera um golpe de estado,
sem paciência, porque precisava afirmar duas três vezes a mesma coisa
pra legitimar a fala,
com assédio,
com mãos que não eram suas
perseguindo & adentrando sem permissão a casa
que tanto vigiava,
com afinco e protex,
sem sulfatos e parabenos,
com silicone nas pontinhas pra não embaraçar aquela parte mais loura do cabelo que nunca entendeu da onde veio.
mesmo com o vinho aberto na mesa da cozinha,
a toalha que o amor trouxera,
com tomates e cogumelos gigantes,
com o verde das ervilhas a inspirar o canto branco da parede,
sem esperança no neoliberalismo,
sem coragem de atirar a sandália na cucaracha de antenas imensas do dia anterior,
sem fala,
sem coragem pras declarações que pareçam como catálogo decorado de filme,
sem coragem pras declarações que pareçam roteiro ensaiado de um curta,
sem coragem pras declarações que pareçam toalha de banho caindo na frente da janela escancarada
com 15 pessoas assistindo, do lado de lá do condomínio,
sem cara
sem crenças
mas com fé.
mesmo com o sistema em estado terminal,
o sintoma aparente revelado,
a doença psíquica,
a dor imaginária
que fulgava toda vez que era 3:30 da manhã, no membro amputado,
mesmo com a safra de todas as uvas desqualificando aquele Cabernet de 2009,
deitado na adega do avô,
sem disfarces
sem celeuma
com a ideia de que aprisionar é poder
de que poder é reter
de que reter é conter
- quando só extravasa, e transborda -
quando o transbordo perde a noção e inunda,
afaga com o dedo mindinho numa delicadeza de âncora,
como o beijo imaginado na véspera da paixão arrebatadora
(sem realidade)
com a pretensão dos vinte e poucos & dos noventa e três bem cuidados
com 8 tipos de remédios diários,
com tênis de corrida pra amortecer o calcâneo inflamado,
sem fim e sem nexo,
onde o sexo come os minutos que sobrariam,
se não fosse a ansiedade
se não fosse a rasa intensidade dos antagonismos
se não desse pra enfrentar medos,
com amanhãs que não são outro dia em terras tupiniquins,
com açúcar, só que mascavo,
pra negar a manipulação genética dos químicos,
sem sobriedade mas com reprise,
com memória
mas sem sutiã
pra deixar livre os mamilos de todas as mulheres
firmes
com a valentia da bandeja de culpas que tiveram de erguer
por 300 gerações antes de nós,
equilibradas em casas fechadas
e ainda assim,
com pelo ou sem,
sem buceta ou com,
com África ou não,
se não fosse possível, seria,
porque era possível ainda,
sem verbo nenhum,
jogar longe o feijão queimado
junto à panela que incendiou a casa
(ressignificando então a liberdade pixializada
do outdoor da esquina)
sem encenações,
ensinando os olhos a falar com a íris castanha,
sem gaguejar,
com a assertividade contida daquela ousadia dos tímidos,
tateando a cicatriz que já é parte da pele,
e ainda por cima,
sem receios,
amar.